Na redação do SAPO24, um dos projetos da MadreMedia, é habitual falar-se a alto e bom som de variados assuntos e controvérsias. Numa equipa paritária, em que algumas pessoas se identificam como feministas, muitas vezes essas conversas recaem sobre temas como o #MeToo, namoros, consentimento, o politicamente correto, o que é isso de ser feminista e dezenas de tópicos paralelos. A discussão é sempre acesa e, na maioria das vezes, interessante e produtiva. Ainda assim, há temas que geram sentimentos contraditórios; um deles é o Dia da Mulher.

A maioria das mulheres da equipa não sabe bem o que achar e, se tem algum tipo de sentimento em relação a este dia, é tendencialmente negativo. Mas é um dia que, ainda assim, achamos que não deve ser ignorado. Mas como falar do Dia da Mulher sem tropeçar em clichés? Sem tornar obsoleta qualquer notícia sobre o tema, ou até maçadora?

Sabíamos que não queríamos algo apenas focado nas mulheres; queríamos alargar a discussão para também incluir os homens, porque as mulheres não vivem isoladas do resto da sociedade e, dado que os homens sempre fizeram e continuarão a fazer parte do futuro, também têm uma palavra a dizer. Da questão “há diferenças entre os homens e as mulheres?” chegámos ao mote da nossa iniciativa — será que as notícias têm género? — cujo principal objetivo seria provocar um debate, e não chegar a nenhuma conclusão definitiva e final.

Ao aliar esta vontade de incluir tanto homens como mulheres na discussão, à questão de querer fugir à narrativa tipicamente associada a este dia, surgiu a ideia de fazermos uma espécie de experiência social — será que o facto de ser mulher (ou homem) influencia aquilo que uma pessoa considera mais importante? No que diz respeito ao formato, dividimos a iniciativa em duas componentes: uma noticiosa, que passou por ter várias personalidades como papel de editores do SAPO24 durante um determinado período de tempo, ao longo do dia, e a escolherem as quatros notícias que considerassem mais relevantes, com o objetivo de ver se as pessoas pensam de maneira mais igual ou mais diferente, independentemente do seu sexo; a segunda parte contemplava um vídeo, com os mesmos editores convidados, que visava promover a discussão sobre o papel da mulher na sociedade.

Ao contrário da eterna questão da galinha e do ovo (quem chegou primeiro?), neste caso as perguntas para o vídeo nasceram antes da lista de convidados. Para iniciar um debate, fizemos três grandes perguntas, com ligeiras diferenças para os homens: O que é ser mulher hoje? E se tivesse nascido homem, seria mais fácil? Depois do assédio sexual, qual será o próximo grande debate?

Quanto aos convidados, a principal preocupação recaiu sobre a diversidade. Queríamos idades distintas, experiências de vida e perspetivas únicas. A partir daí, foi puxar cordelinhos junto da equipa da MadreMedia para que cada um remexesse na sua lista de contactos.

Três perguntas desdobraram-se em quatro ou cinco e os vários convites enviados materializaram-se em doze convidados. Vieram até à nossa redação Assunção Cristas, líder do CDS, Ricardo Robles, vereador de Lisboa pelo Bloco de Esquerda, Maria Filomena Mónica, escritora e professora universitária, Diogo Faro, humorista, Catarina Matos, atriz, Anabela Mota Ribeiro, jornalista, Manuel Pinto Coelho, médico, Miguel Somsen, sócio da Gin Lovers e copywriter na TVI, Júlia Pereira, ativista, Luísa Tender, pianista, Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal e Selma Uamusse, cantora. A estas personalidades juntaram-se também seis futuros adultos, dos 4 aos 14 anos, que tiveram direito a um vídeo próprio (e bem divertido), do qual saiu a frase “o cor-de-rosa é para quem gostar de cor-de-rosa”.

Com perguntas propositadamente abertas, a única restrição para o vídeo era não se poder usar riscas ou bolinhas, para ninguém se camuflar com o fundo. Nenhuma entrevista chegou aos dez minutos mas, curiosamente, e apesar de terem existido respostas semelhantes, cada um dos convidados disse algo singular, especialmente em relação à última pergunta, sobre o próximo grande debate. De modo geral, e em jeito de análise, os homens estiveram, na sua maioria, em conformidade; as mulheres, por outro lado, mostraram-se mais divididas em relação a todas as perguntas.

No próprio dia oito de março, a manhã começou com as escolhas de Selma Uamusse e Miguel Somsen, que das quatro manchetes apenas tiveram uma em comum (“Retirado prémio de direitos humanos a Suu Kyi devido à crise dos rohingya”). A meio da manhã seguiram-se as escolhas de Luísa Tender e Diogo Faro, sendo que ambos deram destaque à música — por completa coincidência juntámos os dois sem saber que o Diogo teve uma longa educação musical. Quem deu início ao bloco da tarde foram Manuel Pinto Coelho e Júlia Pereira, cujas escolhas não coincidiram — Júlia deu destaque ao Festival da Canção (“Festival da Canção: A vitória pelas vencedoras”) e Manuel à Síria (“Adiado envio de ajuda humanitária para Ghouta oriental”). Por volta das 17h Manuel Pinto Coelho cedeu lugar a Pedro Neto, cuja primeira escolha foi para o live do SAPO24 com a ex-futebolista Carla Couto (“O futebol tem género?”). Por fim, e para rematar a iniciativa, tivemos as escolhas de Ricardo Robles e Patrícia Reis que, apesar de possuírem cariz semelhante, tiveram apenas uma em comum (“Querem-nas obedientes, submissas, silenciosas. Elas respondem na rua, de punho cerrado, e a exigir o fim da cultura machista espanhola”).

No fim da iniciativa, faltava apenas reflectir sobre o bom, o mau e os números. Chegámos à conclusão que podíamos ter feito duas coisas que teriam acrescentado mais valor às escolhas dos editores: uma era ter deixado os nossos convidados escolher títulos alternativos para as notícias selecionadas, num tom menos imparcial, a outra era ter criado um espaço para se poder justificar as ditas escolhas. Por outro lado, e de uma perspetiva mais positiva, o destaque dado ao Dia da Mulher pelo SAPO24 primou pela diferenciação em relação a outros meios.

E depois de tudo isto, a que conclusões chegámos? Na nossa pequena amostra, as escolhas foram tão variadas quanto o background dos convidados (o exemplo do Diogo Faro e da Luísa Tender é talvez o mais gritante), apesar de se ter verificado uma tendência para escolher notícias relacionadas com o Dia da Mulher. As mulheres mostraram-se mais divididas, nas suas respostas, do que os homens. E mais: não se verificou qualquer relação entre género e sensibilidade crítica de escolha. Conclusão óbvia? Talvez sim, talvez não. O objetivo desta iniciativa nunca foi obter um resultado significativo, mas sim criar um espaço de discussão e reflexão, num dia cujo significado atual seja talvez esse mesmo.

Tal como na redação da MadreMedia, onde tudo se discute, também no dia 8 de março, na página do SAPO24, demos lugar ao debate, na esperança que seja mais um passo na direção da mudança.